terça-feira, 23 de outubro de 2012

Elegibilidade

Não sou elegível. 
As coisas mudam de sítio sem eu lhes tocar.
"Não és elegível."
Todo o tempo passa violentamente pelo meu corpo.
"Não te posso manter."
E as árvores ficam sem folhas. 
Durmo numa semi-consciência de sobressalto. 
Há uma mosca perto de mim. Quero matá-la.
Oiço um zumbido constante. Morre estúpida!
Os carros passam na rua. O comboio abranda nos carris. 
De repente o tempo pára. 
Olho de fora para um mundo que já foi meu e percebo que revisito coisas desaparecidas. 
Sonho com coisas perdidas. Um relógio, um anel, um momento. 
No fundo do poço cai um pirilampo. Uma luz ténue que na escuridão impenetrável se torna holofote. 
Imersa em auto-comiseração sinto-me a passar a uma forma imberbe. 
Amorfa os meus olhos pousados no nada fitam apenas um círculo de luz demasiado distante. 
Morre mosca. Deixa-me em silêncio. 
 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Honestidade

A chuva lembrou-se de aparecer sem ser convidada.
Um arrepio na espinha. Desta vez de frio. 
Os vidros embaciaram. Eu estava quente e estava frio.
De um chá quente que nunca viu o negro da noite a mais uma injecção de álcool.
Um objectivo mais que perfeitamente alinhado. 
Crueza. O conforto da objectividade e da verdade. Um ambiente completamente controlado pela franqueza.
A honestidade a rolar do sofá para o chão. As limitações: humanas. 
Vazio. Um delicioso nada de perdição.
E no tapete a marca de dois canalhas. 

domingo, 21 de outubro de 2012

Personagens

Olho-me ao espelho. 
Escolho a personagem. 
Hoje os meus olhos estreitam-se. O meu corpo está direito. 
Hoje quero ser a malícia. Amanhã serei a doçura.
O preto e o branco. O preto ou o branco. 
Sinto o sangue acelerar nas veias e vejo-me a mudar. 
A alvura da pele a acentuar-se no contraste espartilhado do negro que escolho para me dar forma e se entrelaça na renda que me molda e cria uma extensão até aos Pumps. 
Vejo-me ao espelho e sinto-me imensa. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Contradição

Sinto no corpo um cansaço extremo e na alma uma excitação tremenda...
No outro lado da vida, no outro lado do muro vou encontrar a paz e a felicidade que almejo.
Pensar que cada dia é uma tentativa estúpida e repetida de controlo destrói-me... pensar na vida como uma limitação desconstrói todos os princípios por mim perfilhados e seguidos.
Não quero manter tanto controlo sobre as coisas.
Não quero ter que pensar em variáveis infinitas para cada decisão que desejo tomar.
Como me posso sentir tão forte e tão fraca ao mesmo tempo? Tão capaz e tão limitada na minha actuação...
Pensar, sentir, descansar, decidir... o caos tornou-se aleatório... contradição.